sexta-feira, 28 de maio de 2004

Kafka previu o futuro?

O texto transcrito abaixo (entre aspase em azul) é de autoria de Franz Kafka. Dei de cara com ele quando estava pesquisando a origem do meu nome, que foi escolhido por meu pai quando lia o livro "Cartas a Milena", do mesmo autor.

Embora a tecnologia de hoje não existisse na época de Kafka, é impressionante como o texto é atual. Dando um desconto para a linguagem um pouco rebuscada e romanceada do texto, percebemos que o vazio que hoje existe nos chats, ICQs, MIRCs e e-mails da vida é o mesmo descrito pelo autor nas cartas da época.

O texto que encontrei era em inglês, não achei em português na Internet. Como gostei muito e queria colocá-lo aqui, tomei a liberdade de fazer uma tradução. Apesar de ter revisado com cuidado, pode ser que não esteja perfeita, por isso peço de antemão desculpas por eventuais erros.

"Já faz um longo tempo que lhe escrevi, “Frau” Milena, e mesmo hoje estou escrevendo apenas como resultado de um incidente. Na verdade, não preciso me desculpar por não escrever, você sabe afinal como eu detesto cartas. Toda a desgraça de minha vida – não é meu desejo queixar-me, mas fazer um comentário geral e instrutivo – deriva, pode-se dizer, de cartas ou da possibilidade de escrever cartas. Pessoas raramente me decepcionaram, mas as cartas sempre – e de fato não somente as de outros, mas as minhas próprias. Em meu caso esse é um infortúnio especial, mas ao mesmo tempo comum.
A fácil possibilidade de se escrever uma carta pode – vista mera e teoricamente – ter trazido ao mundo uma terrível desintegração de almas. É, na verdade, uma relação com fantasmas, e não somente com o fantasma do destinatário mas também com o próprio fantasma, que se revela entre as linhas da carta que se está escrevendo e mais ainda em uma série de cartas, onde uma carta corrobora a outra e pode se referir a ela como testemunha. Como pode alguém um dia ter concebido a idéia de que as pessoas podem comunicar-se umas com as outras através de cartas! De uma pessoa distante, pode-se ter uma recordação, e com uma pessoa que está perto pode-se entrar em contato – tudo o mais vai além da força humana. Escrever cartas, no entanto, significa desnudar-se perante os fantasmas, algo pelo qual eles gananciosamente aguardam. Beijos escritos não alcançam seu destino, em lugar disso são bebidos pelos fantasmas ao longo do caminho. É por causa dessa nutrição que se multiplicam vigorosamente. A humanidade sente isso e luta contra isso, e para eliminar tanto quanto possível os elementos fantasmagóricos entre as pessoas e para criar uma comunicação natural, a paz das almas, inventou o trem, o carro, o avião. Mas não adianta mais, essas são evidentemente invenções feitas no momento do colapso. O lado oposto é tão mais calmo e forte; após o correio ele inventou o telégrafo, o telefone, o rádio. Os fantasmas não jejuarão, mas nós pereceremos."

Cartas a Milena - Franz Kafka


Milena:




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